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    10
    dez
    2011

    Uma Felicidade Clandestina

    ‎"Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele."


    Faz 34 anos que eu nasci. Faz 34 anos que ela morreu. Não sei dizer ao certo se isso é coincidência. Sei apenas que encontro acalanto e repouso nas palavras de alguém que eu nunca vi em minha vida, mas que escreve como se conversasse comigo e, com isso, faz com que eu me sinta menos só, menos impertencente, neste mundo que para mim ainda é uma grande interrogação.

    Conheci Clarice Lispector tardiamente, se levada em conta a minha trajetória como leitora. Comecei a ler aos 4 anos, mas só no  início da adolescência, aos 12 anos,  é que tive o meu primeiro contato com a sua obra. E desde então, nunca mais nos separamos. Eu estava na sétima série (hoje oitavo ano) e tinha uma professora de Português chamada Maria Tereza. Ela era linda, tinha os cabelos pretos, lisos, enormes e falava bem baixinho. O olhar era enigmático, e eu queria ser aquela professora. Ficava horas perdida vendo-a  falar e a forma como as palavras que eu não conhecia saíam lindas de sua boca. Eu sempre admirei as palavras, acho que mesmo na ignorância reconhecia o grande poder contido nelas.  

    Tínhamos um livro da disciplina que se chamava Texto e Contexto, não me lembro agora o nome da autora. Era um livro feio, como eram todos os livros escolares naquela época. Ainda não entendi porque faziam questão de fazer com que os livros da escola fossem tão feios... Como em todo livro de Língua Portuguesa, existia a cada abertura de capítulo, um texto. E sabem qual era o texto que iniciava o livro? Felicidade Clandestina. Posso fechar agora os olhos e imaginá-lo: a  ilustração da menina gordinha e sardenta, a textura da página... Quando eu li este texto a primeira vez, de súbito uma pergunta saltou de minha boca em voz alta:  Mas quem é essa mulher?

    A partir daí eu e Clarice nunca mais nos separamos. Ela foi a minha grande companheira em noites sem sono, em alegrias, em choros, em interrogações, em dores de amor e nas grandes encruzilhadas da vida. Vejo nela mais que uma grande autora da Literatura Brasileira. Vejo uma mulher, uma mãe, uma impertencente. Um grande enigma por trás daqueles olhos lindos e enormes, uma sedução de bruxa, uma fragilidade de menina.

    Clarice me diz, todos os dias,  que podemos vencer a brutalidade do mundo e imprimir nele a delicadeza de nossa existência. E isso é um acalanto que não tem preço. Então, hoje, seu aniversário de 91 anos,  eu só posso mesmo é agradecer. E comemorar. Não com bolos e festas, mas de forma contida, com um sorriso no canto da boca e com uma felicidade menina, ilegal.....eternamente clandestina.