Diários Índios, Darcy Ribeiro
Sempre gostei de ler diários.
Acho que este é um tipo de leitura que promove uma aproximação muito grande com
quem escreve e com o cotidiano que é ali retratado. E não foi diferente com
Diários Índios, de Darcy Ribeiro. Apesar de não ser um diário qualquer e de sua
leitura ser densa e muito rica em informações, é também uma leitura de
aproximações e de vivências, com uma história dentro da outra, onde os relatos
de Darcy se fundem aos relatos da diversidade e da cultura do povo Urubus-Kaapor.
O livro apresenta os registros,
escritos e visuais, das duas expedições à terra dos Urubu-Kaapor no Pará e no
Maranhão: em 1949 e 1950, nas áreas do Rio Gurupi e do Rio Pindaré. A primeira publicação
dos Diários ocorreu em 1996 e agora, 24 anos depois, a Global Editora traz essa
segunda edição.
Os diários são escritos em
forma de carta, onde o autor se reporta à sua mulher, Berta, e dá contornos
leves de um discurso amoroso à obra, onde são compartilhados a ternura, a
amizade e a colaboração até o fim da vida, entre os dois. (Berta também era
antropóloga).
"Então, no tempo deste
diário, éramos jovens ou apenas maduros. Envelhecemos depois, uma pena.
Saltamos já a barreira dos setenta. Ao fim, fomos atingidos por dois tiros:
câncer. Estamos ambos lutando, cada qual contra o seu. O de Berta a pegou na
cabeça, justamente na área da fala. Não pôde ser extirpado, porque ela perderia
a memória e o ser. Viveria um vegetal em coma perpétuo. Mas aguenta bem.
Voltamos até a namorar, depois de vinte anos de separação. Eu a beijo na boca e
prometo casar de novo com ela.”
Darcy com os índios Urubus-Kaapor |
Neles, ele descreve de forma
bem simples e coloquial, longe de um rigor antropológico, detalhes da cultura Kaapor,
como por exemplo: suas genealogias, rituais, mitologias, culinária,
vestimentas, música, organização social e a vida sexual. Tudo também ricamente ilustrado com fotos e
desenhos. É uma escrita detalhada, cuidadosa e com muita delicadeza.
Fiquei encantada com a
importância das genealogias e da ancestralidade para o povo Kaapor, e da capacidade
de memória, da preservação da tradição oral - a riqueza de passar a sua história
de geração a geração, aprendida desde muito cedo. Há registros de genealogias que recuam a 1800,
onde índios citam mais de mil antepassados, com riquezas de detalhes.
Infelizmente, não é apenas o
registro da beleza e da rica cultura que atravessam os relatos trazidos por
Darcy Ribeiro. Aparecem as manchas deixadas pelo contato com o homem branco, o
furor capitalista, a visão e a descrição da população pobre, negra ou mestiça,
muitas vezes, que é vizinha dos índios. Há também o registro das doenças, como
o sarampo, que estava na época, matando a população Kaapor e o esforço de Darcy
para medicar e salvar os índios em sua primeira viagem.
A leitura de Diários Índios é
bela e muito rica e fica muito difícil condensá-la nas poucas linhas de uma resenha.
São 600 páginas de história e cultura que apesar de terem sido publicadas há algumas
décadas tem o frescor da atualidade, pois permitem o encontro com uma realidade
distante da nossa, mas tão próxima, dialogando com a nossa ancestralidade e com
nossas raízes. Uma leitura essencial.