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  • Enterre os seus mortos, Ana Paula Maia










    Título original: Enterre Seus Mortos
    Capa: Guilherme Xavier
    Páginas: 136
    Acabamento: Brochura
    Ano: 2018
    Editora: Companhia das Letras

    Ler Ana Paula Maia é uma experiência marcante. É um soco no estômago, é uma cacofonia, um tapa na cara. Tudo é cheio de verdade e excessivamente cru. Em sua narrativa - seca, acre e econômica em construções - as palavras se mostram e revelam a vida, com toda a sua podridão e estranhamento, esta vida que cotidianamente o mundo insiste em esconder de nós, em silenciar, em escamotear. Esta vida que também é um pouco de morte. Mas, vamos à história.

    O protagonista Edgar Wilson já chama a atenção, não apenas pelo nome, mas pela sua profissão insólita: Ele é um removedor. Trabalha em um órgão responsável por recolher os animais mortos das estradas e levá-los para um depósito, onde são triturados em um grande moedor. Seu colega mais próximo, Tomás, é um padre excomungado que distribui bênçãos aos mortos e moribundos que encontra pelo caminho. Ambos convivem com a morte diariamente. E cada um a contempla de uma forma única e diferente.

    “Edgar Wilson nunca conheceu trabalho que não estivesse ligado à morte. Sempre esteve a um passo atrás dela, que invariavelmente encontra todos os homens, de maneiras diferentes. Teme morrer porque acredita em Deus. Crer em Deus o leva a crer no inferno e em todas as suas consequências. Se não fosse isso, seria mais um corpo com as mãos sobre o peito. Não sabe que espécie de fim está reservado a ele. Mas diante dos mortos, seja humano, seja animal, ele não se mantém insensível. Não existe sentimento de desprezo maior do que abandonar um morto, deixa-lo ao relento, as aves carniceiras, à vista alheia.” 

    É justamente esta sensibilidade com relação à morte que vai colocá-lo numa situação que quebra a sua rotina tão especifica. Ao descobrir o corpo de uma mulher na mata e saber que a polícia não possui recursos para recolhe-lo (o rabecão está quebrado), ele recusa-se a deixar que aquele corpo ali exposto seja devorado e, como num oficio silencioso, decide zelar pelo que sobrou daquela mulher. Então leva o corpo para um freezer em seu depósito, clandestinamente. Enquanto espera a chegada da polícia, mais um cadáver aparece, desta vez de um homem. 

    Tomás e Edgar conhecem a morte em suas mais variadas facetas e não a temem. Antes, a respeitam e conhecem as suas fronteiras. Sabem que a morte e o sagrado andam juntos e não abrem mão, diante da situação de precariedade dos órgãos responsáveis, de dar um final respeitoso e digno àqueles cadáveres. E assim começa a jornada destes dois homens, invisibilizados em suas profissões, em suas vidas com pouca importância, mas que carregam dentro de si o mais humano que podem suportar. 

    “Tomás tem esse poder confortador diante da morte, diante das piores noticias e sabe disso. Não é um homem santo de paróquia, mas um homem de dores, um santo das estradas, disponível para Deus e para os homens e servindo da maneira que melhor sabe: vivendo no encalço da morte.” 

    A narrativa de Ana Paula é diferente de tudo o que eu já havia lido. Precisa e objetiva, seca, mas não se torna rasa ou superficial por isso. Antes, em sua economia de palavras, tece significados que margeiam o texto, que compõem um mosaico de ideias, sentires e intenções sobre a morte, a finitude, a dor e a miséria humanas. Seu narrador em terceira pessoa, onisciente e onipresente, nos presenteia com uma viagem filosófica e brutalizante sobre a realidade.

    Não há como seguir incólume a esta viagem. É preciso parar, respirar, esperar. Há horror e realidade que pulsam o tempo todo do texto, o próprio texto nos sufoca, ao mesmo tempo que nos coloca nesse lugar em que tanto evitamos estar. A nossa sociedade execra a morte e tenta maquiá-la todo o tempo. Uma morte asséptica, limpa, branca. Em Enterre os seus mortos, Ana Paula apresenta-nos uma morte que é animal, selvagem, nossa pertença, nossa vizinha, espelho nosso manchado de sangue e vísceras. Morte real e mais que cotidiana, quase banal nas estradas e nas periferias de nosso país.   

    Sobre a autora: 

    Ana Paula Maia (Nova Iguaçu, dezembro de 1977) é escritora e roteirista. Filha de professora, na adolescência, estudou teatro na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras). Mais tarde, entrou para as faculdades de Ciência da Computação e Comunicação Social. Seu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas, foi publicado em 2003. Esses foram seus primeiros passos, e após a publicação do primeiro romance, segue dedicando-se, na maior parte do tempo, à literatura. É autora da trilogia A saga dos brutos, iniciada com as novelas Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos e O trabalho sujo dos outros (publicadas em volume único) e concluída com o romance Carvão animal. A autora tematiza a relação do homem com o trabalho, a moldagem do caráter pelas atividades diárias e a inferiorização do homem pelo trabalho que exerce.

    Nota: 4 de 5 

    3 comentários :

    1. Ilmara!
      Belo livro, hein?
      Desejo um novo ano de realizações, saúde e muito amor! Que possamos estar juntos em 2019 com boas leituras!
      “Que a paz, a saúde e o amor estejam presentes em todos os dias deste novo ano que se inicia. Feliz Ano Novo!” (Desconhecido)
      cheirinhos
      Rudy

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    2. Sim, Rudy! É um livro que nos faz pensar e de escrita muito forte. Obrigada pela sua presença e um Feliz 2019 pra você tbm! ;)

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    3. Faz uns bons anos que eu li a Ana Paula. O primeiro - e último, rs - foi o Carvão Animal. Uma amiga estava em um evento de literatura, em que Ana Paula também estava, daí ela voltou com esse livro, me contou maravilhas da mesa, depois da leitura. Fiquei encantada com tudo e de imediato li: e sim, é seco, um tanto triste, doce, mexeu sim - e muito!

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