Garota, interrompida. Susanna Kaysen
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Resenha
Olá amigos leitores, tudo bem? Cá estamos nós de
volta, depois desse hiatus imenso e parece que 2014 está começando agora. Estou
aproveitando o carnaval para por as leituras e o blog em dia. O livro que eu
irei falar hoje é um relato
autobiográfico de Susanna Kaysen e um livro que toca a alma e nos faz pensar em
muitas questões do mundo à nossa volta. Definitivamente, é um livro para ser
lido e "digerido", tamanha é a carga emocional que ele comporta em
suas parcas 188 páginas. Já queria ler este livro há tempos e o ganhei em um concurso no blog Sincerando. Este
também é o livro de janeiro do Desafio Literário do Skoob 2014. Sim, sim, eu
estou muito atrasada, mas como o próprio nome já explica, é um desafio e eu
tentarei ler todos os 12 livros citados, ainda que em atraso. Deixemos de
conversa fiada e vamos à história:
O ano é de 1967 nos Estados Unidos e Susanna tem
apenas 18 anos. É uma época de guerras, de mudanças, de conflitos. Por dentro e
por fora Susanna encontra-se em ebulição, em um estado interrogativo constante.
Diante disso, e de tantas outras coisas inomináveis dentro de si, ela tenta o
suicídio. Após uma sessão de terapia pós-trauma, Susanna é internada no
hospital psiquiátrico McLean. Trancada com outras garotas de sua idade durante
dois anos, Susanna encontrou o que chama de “universo paralelo”, um lugar diferente
de tudo o que já tinha vivido, com grades e celas, numa verdadeira pena a ser
cumprida pela sua falta de “normalidade”. Não quero dar a esta resenha um tom
mais formal, mas não tenho como não lembrar Michel Foucault, em sua História da
Loucura, quando disseca o hospício, suas origens e suas funções. Segundo ele:
Os discursos
da doença mental, da delinquência ou da sexualidade só dizem o que é o sujeito
dentro de certo jogo muito particular da verdade; mas esses jogos não são
impostos de fora para o sujeito, de acordo com uma causalidade necessária ou
determinações estruturais; eles abrem um campo de experiência em que sujeito e
objeto são ambos constituídos apenas em certas condições simultâneas, mas que
não param de se modificar um em relação ao outro, e, portanto, de modificar
esse mesmo campo de experiência. (FOUCAULt, Michel in História da Loucura).
Em seu
relato, Susanna questiona as verdades da Psiquiatria, descrevendo a topografia
daquele lugar que, por mais estranho que possa parecer, foi estruturado e
construído com um propósito. Um lugar que tem as mesmas formas de uma prisão e
que tem por função de tornar o indivíduo apto a estar em convívio social,
tornar o indivíduo “normal”, ou o mais próximo disso que se conseguir chegar.
"Duas portas
trancadas, separadas por um espaço de um metro e meio onde a gente tinha que esperar, enquanto a enfermeira passava de novo a chave na primeira porta e
destrancava a segunda. Logo depois dela, três cabines telefônicas. Então, dois
quartos individuais, a sala de estar, a copa e cozinha. Essa disposição assegurava
aos visitantes uma boa impressão inicial. Passando a sala de estar e dobrando o
corredor, contudo, as coisas mudavam. Um corredor comprido, muito comprido:
comprido demais. Sete ou oito quartos duplos de um lado, a sala das enfermeiras
no centro, do outro lado, ladeada pela sala de reuniões e pela sala de
hidroterapia. As lunáticas á esquerda, a equipe de funcionárias à direita. Os
banheiros e os chuveiros também ficavam à direita, como se os funcionários
tivessem o direito de supervisionar os nossos atos mais íntimos." (p.55)
Para cumprir a sua função é necessário homogeneizar e
massificar o indivíduo, começando pela sua intimidade, liberdade, por tudo
aquilo que é mais seu e que lhe define enquanto pessoa. Susanna compara isso a
uma nudez que “vai até os ossos”.
“Em um
estranho sentido, éramos livres. Tínhamos chegado ao fim da linha. Não tínhamos
mais nada a perder. Nossa privacidade, nossa liberdade, nossa dignidade: tudo
isso tinha acabado. Estávamos despidas até o osso.”
Além dos seus sentires e das coisas que viveu no McLean,
a autora também traz um pouco das histórias de outras internas, com as quais
manteve laços de amizade e compartilhou as experiências e as marcas deixadas
pela internação. Assim temos acesso a fragmentos da vida de Lisa, Chyntia,
Polly, Daisy e Georgina. Jovens que foram
consideradas insanas e marcadas pela exclusão social logo no começo de suas
vidas. Garotas que perderam um pouco da luminosidade de sua juventude nas
paredes cinzentas de um hospital psiquiátrico, deixando assim a vida
incompleta, interrompida. E cheia de cicatrizes.
"As cicatrizes
não tem personalidade. Não são como a pele da gente: não mostram a idade ou
alguma doença, a palidez ou o bronzeado. Não tem poros, pelos ou rugas. São uma
espécie de fronha, que protege e esconde o que houver por baixo. Por isso as
criamos. Porque temos algo a esconder". (p.21)
A narrativa de Susanna não é linear nem cronológica,
tudo aparece como um fluxo de sua consciência, como memórias, pensamentos. Os capítulos
são curtos, mas cheios da densidade própria da história que ela vem contar. É
um livro maravilhoso, um livro que definitivamente nos põe para pensar. Perguntas
várias que surgem feito cascata: O que é a loucura? O que pode levar uma pessoa
a perder a sua sanidade? E a que se propõe mesmo a internação? Um livro que
vale muito a pena ler.
O livro Garota, Interrompida deu origem a um filme homônimo, estrelado por Winona Ryder
e Angelina Jolie. O filme ganhou vários prêmios, entre eles o Oscar e o Globo
de Ouro de melhor atriz coadjuvante para Angelina Jolie. Confira o trailer:
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