Corações Feridos, Louisa Reid
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REID, Louisa. Corações Feridos; trad Thiago Mlaker. Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Editora, 2013.
"Hoje eles tentaram me fazer ir ao funeral de minha irmã...Ela sempre foi maior. Nasceu primeiro, mais forte, mais bonita, a gêmea popular. Eu vivi à sombra dela por 16 anos e gostei do frio e da escuridão; era um lugar seguro para esconder-me...Era o primeiro dia do ano novo, e minha irmã estava morta havia uma semana."
Forte. Impactante. Angustiante. Essas são as palavras que melhor descrevem a leitura de Corações Feridos. É um livro que dói. E que às vezes eu tive que parar um pouco de ler porque já começava a ficar com dor de cabeça. Corações Feridos fala de dor e de resiliência com uma linguagem verdadeira e uma narrativa fluente, marcante e delicada ao mesmo tempo. Mas vamos à história:
Hephzibah e Rebecca são irmãs gêmeas, mas apesar disso são muito diferentes. Hephzi é muito bonita, forte e voluntariosa. Já Rebecca, sofre da Síndrome de Treacher Collins (saiba mais no final desta postagem), que impediu a formação completa dos ossos da face. Ela possui um rosto deformado e praticamente não possui orelhas. Por conta disso, Rebecca é uma garota bastante tímida, reservada e cuidadosa. Apesar disso, a relação das duas é como uma relação normal de duas irmãs, com brigas, carinho e proteção. Uma equilibra a outra, sendo Hepzi movida mais pelo impulso e pela vontade de mudança, e Rebeca pelo equilíbrio e a moderação nos atos.
Apesar de serem adolescentes e estarem numa fase de aproveitarem a vida, Rebecca e Hepzi são bem diferentes das outras garotas de sua idade. Vivem confinadas em casa e não tem acesso ao computador, e-mail ou nenhuma tecnologia. Usam roupas usadas e sequer sabem o que significa maquiagem, namorados ou balada. Não tem amigos. Não frequentaram a escola regular, pois estudaram durante todo o tempo em casa, tendo aulas com a sua mãe. Tudo isso por conta de seus pais, que são fanáticos religiosos e que dão a elas uma educação bastante rígida. Além disso, sofrem maus-tratos do pai, Roderick, o afetuoso pastor da cidade, exemplo de caridade e de amor cristão. A mãe age com indiferença e desprezo e obedece piamente ao pai, sendo conivente com todos os seus atos. A única válvula de escape que Hepzi e Rebecca tinham era a avó, que faleceu recententemente. Com ela, as meninas tinham pequenas amostras do que era realmente ser criança e ser amada. A avó de Hepzi e Rebecca não se dava bem com Roderick e isso fazia com que esses momentos fossem se tornando cada vez mais escassos, até que elas praticamente não tiveram mais contato com a avó e e nem com os outros membros da família.
Com a entrada no Ensino Médio e o apelo de alguns "irmãos" da Igreja, Hepzi e Rebecca começam a frequentar a escola. E um mundo novo se abre à sua frente. Enquanto Hepzi tenta ser popular e se identificar com as outras meninas, Rebecca se refugia nos livros da biblioteca, que lê com cuidado,escondida do pai. Com o convívio dos outros adolescentes as irmãs vão percebendo o quanto são diferentes e o tamanho dos abusos físicos e psicológicos a que são submetidas. São cerceadas de tudo, são violentadas em sua essência, impedidas realmente de serem elas mesmas. O desenrolar da trama traz um grande segredo da família e com a morte de Hepzi, Rebecca precisa se fortalecer e conviver com esta realidade e com a sua deficiência, seus medos e limitações. O resto, só lendo para descobrir!
A narrativa de Louisa Reid é contagiante. Você quer saber mais e mais a cada capítulo. O livro é contado em espaços de tempo diferentes: antes e depois da morte de Hepzi. Cada capítulo é contado por uma das irmãs, o que ajuda a entender de forma mais ampla os sentimentos delas e o universo sombrio e doente em que viviam. O livro me chamou a atenção pela forma como a autora trata a deficiência. Nada de discursos de coitadinhos, de pena, de limitação. Rebecca é alguém que vence os seus medos e não precisa e nem aceita a pena de ninguém. A maneira com que ela cresce na trama é surpreendente! Outro destaque importante é sobre a violência familiar. O enfoque para a necessidade de denunciar, de falar, de expor. Uma família é um mundo fechado, cheio de segredos e obscuridade, mas quando a integridade física e psicológica de seus membros está em xeque é preciso falar, é preciso contar! Amei esta leitura e recomendo muito!
Sobre a autora:
Louisa Reid formou-se em Inglês pela Hetford College , em Oxford. Além de escritora, é também professora em Cambridge. Casada, e com duas filhas , atualmente leciona em uma escola para meninas em Cambridge.
Um pouco mais sobre a Síndrome de Treacher Collins:
A síndrome de Treacher Collins (também conhecida como disostose mandibulofacial ou Síndrome Franceschetti-Zwahlen-Klein) é uma doença genética caracterizada por deformidades crânio-faciais. É uma malformação congênita que envolve o primeiro e segundo arcos branquiais. É uma doença rara, com uma incidência de 1:40000 a 1:70000 nascidos vivos. Os pacientes necessitam de acompanhamento de cirurgiões crânio-faciais, oftalmologistas, fonoaudiólogos, cirurgiões dentistas e otorrinolaringologistas.
Veja um relato de um adolescente com a síndrome: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/britanico-com-rosto-desfigurado-quer-chamar-atencao-para-sindrome-rara.html
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